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    26 de fev. de 2005

    Contos da TXT Magazine - parte VI

    Wasted Life
    de Gustavo Castro

    A verdade era essa: não sabia muito bem como se encaixava ali.

    Na verdade nunca se ajustara a nada, nenhum lugar parecia familiar, nenhuma casa parecia a sua casa. Fez tudo um pouco mais tarde do que a maioria, se apaixonara muitas vezes mas só beijara pela primeira vez aos 16, vésperas dos 17. Nunca teve uma namorada séria, apenas casos ao acaso, nunca acreditou em relacionamentos, afinal eles sempre acabam nem que seja pela morte.

    Sempre estudou, não sabia bem por que mas estudava. Tudo era muito monótono, a mesma repetição de velhas formas e fórmulas passadas do mesmo modo antigo por gerações e gerações. A única vez que realmente teve um objetivo foi durante a época do vestibular. Acreditava que a partir dali sua vida ia mudar. Estudou e passou em um dos cursos mais concorridos da UnB, Direito, 20 vagas para 1789 candidatos. Era um exemplo a ser seguido, "aquele ali vai vencer na vida", diziam os amigos entre si.

    Na faculdade nunca se interessou pelas brincadeiras de seus amigos. Nunca usou drogas, apesar de dezenas de vezes terem lhe oferecido um "fininho, só pra relaxar". Bebia pouco, só em festas e mesmo assim sempre se mantinha sóbrio para ajudar os amigos que caiam de cara no chão.

    Conseguiu um bom emprego após a faculdade, conseguiu se sustentar e aos poucos montava um patrimônio, primeiro um apartamento no sudoeste, nada muito grande mas finalmente algo só seu, depois um gol zero e assim se mantinha. Depois de um tempo achou que era hora de constituir uma família. Casou-se e teve dois filhos.

    Era um prodígio, 32 anos e já havia alcançado tudo o que desejara. Os colegas no emprego o invejavam, "ele sim é um homem feliz", mas mesmo assim não conseguia se encaixar. Os poucos momentos de tranqüilidade era quando ligava o seu aparelho de som e deixava a sua preciosa coleção de CDs (tinha alguns LPs mas sua vitrola havia quebrado a muito tempo) rodando na bandeja de seu estéreo. Ali sim se sentia em paz. Provavelmente porque não pensava em absolutamente nada durante aqueles preciosos 40 minutos de cada disco.

    Um dia não apareceu no trabalho, nem no dia seguinte. Ligaram para a sua casa e ninguém atendia, sua mulher e filhos tinham viajado para a casa da avó em minas. Os colegas ficaram preocupados e foram a sua casa, batiam na porta e não havia resposta. Perguntaram ao vizinho:

    "Tem alguém em casa?"
    "Não sei, a dias não vejo ninguém, mas de noite ouço alguns barulhos na casa."
    "Alguém tem a chave?"
    "Não, o sindico perdeu a cópia em algum lugar."
    "Que barulho é esse?"
    "Não sei, parece uma música mas está tocando há dias."

    Arrombaram a porta e o som ficou mais forte, parecia vir do escritório.

    Abriram a porta e o viram jogado na cadeira, com uma agulha em seu braço e um pequeno saco de heroína em cima da mesa. O som tocava "...hey babe, take a walk on the wild side/ hey honey, take a walk on the wild side..."

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