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    21 de mai. de 2004

    Contos da txt magazine - parte IV

    Eduardo e Mônica
    de João Pedro de Barros

    Eu e Julia formávamos o casal perfeito. Pelo menos era o que todo mundo do colégio acreditava e, pensando bem, até que eles tinham lá seus motivos. Nós estávamos sempre juntos, dividindo nossos cigarros, as mãos entrelaçadas no bolso do sobretudo preto que herdei de meu avô, os ouvidos sintonizados em tudo que vinha do Reino Unido. Tudo muito lindo e maravilhoso. Até que um dia Ana Teresa me convidou para sua festa de quinze anos.
    "Você não vai nesta festa, vai", Julia perguntou olhando com reprovação para o convite que eu tinha em minhas mãos.

    Bebi mais um gole do meu chá preto. Você sabe, eram os anos 80 e eu tinha esta obsessão ridícula em me aproximar ao máximo dos britânicos, da forma de me vestir aos meus hábitos alimentares no intervalo do colégio.
    "Não sei", respondi sem muita convicção. "A gente nunca se falou. Ela é nova na minha turma."
    "Eu sei quem ela é."
    "Todo colégio sabe."
    "Como assim todo colégio sabe?"

    E, então, eu cometi meu primeiro erro imperdoável do dia. Mas, entenda, eu era um adolescente e não sabia nada de mulheres.
    "Sei lá, Julia", eu disse. "Ela é bonita, ué."
    "Bonita?", ela gritou. "Ela é toda certinha, sempre arrumadinha com aquelas roupas de grife e aquele sorriso classe média."
    "Sorriso o quê?", perguntei.
    "Sorriso classe média. Ah, você sabe muito bem o que eu quero dizer, João", Julia estava visivelmente irritada. "Não posso acreditar que você acha esta tal de Ana Teresa bonita."
    "Por quê?"
    "Porque ela não é o seu tipo."
    "E qual é o meu tipo?", e este foi meu segundo erro imperdoável do dia e, aos berros, Julia disse que agora eu iria nesta festa nem que fosse à força e que não iria falar comigo durante um mês e, graças a deus, fui salvo pelo gongo: a sirene do colégio tocou e nós voltamos para nossas respectivas salas de aula.

    O irônico é que eu mostrei à Julia aquele maldito convite porque, afinal de contas, ela era minha namorada e queria que fosse comigo na festa. Mas aconteceu o que aconteceu e eu, que já estava cansado do preconceito bobo dela, peguei um paletó emprestado do meu pai, prendi meus cabelos compridos em um rabo de cavalo ridículo, pedi uma ajuda à minha irmã para escolher um presente decente, atravessei a cidade em dois ônibus lotados e só por raiva fui sozinho ao aniversário de Ana Teresa.
    "Anaïs Anaïs!"
    "O quê?"
    "Anaïs Anaïs...", Ana Teresa repetiu enquanto abria o meu presente. "Adoro este perfume."

    Pensei em dizer a verdade, sei lá, falar que foi minha irmã quem escolheu e tal, mas uma mentirinha de vez em quando não faz mal a ninguém.
    "Eu também adoro. Quero dizer, acho que combina com você."
    Ela sorriu, beijou meu rosto e disse:
    "Muito obrigada, João."

    E assim, depois de ficar embasbacado com o fato de Ana Teresa lembrar o meu nome, sentei feliz em uma das mesas excessivamente decoradas do Jockey Club, comecei a aproveitar o Chivas Regal de graça, abstraí todo o clima colunável da festa e fiquei observando a aniversariante andando de lá para cá, recebendo os convidados, abrindo os pacotes, fofocando com as amigas e, quando dei por mim, estávamos cantando parabéns e depois todo mundo invadiu salão para dançar e eu fiquei de mau humor.

    Eu estava sozinho na mesa, enchendo a cara e pensando em Julia. Se ela estivesse aqui provavelmente teria dentro da sua bolsa uma fita cassete com alguma banda decente e obrigaria o DJ a coloca-la. Ou então iria me arrastar para outro canto do Jockey Club, para um lugar longe daqueles tecnopops de terceira categoria e música de surfista, e me encheria de beijos e diria que nesta noite a gente iria transar para valer. Mas quando vi já eram quase duas horas da manhã e eu continuava ali com a cara amarrada, pensando em alguém que não queria pensar e tudo isso por causa das músicas que estavam tocando. Eu era mesmo um grande idiota. Por isso, levantei da cadeira, enchi meu copo de uísque e fui dar uma volta pelo salão.

    Não sei dizer ao certo se foi o seu jeito desengonçado de dançar, tentando se equilibrar com os pés descalços naquele chão encerado, ou se foi o seu sorriso de quem sabia se divertir. Mas algo me fez ficar estático, encostado em uma parede, olhando fixamente para Ana Teresa.
    E, então, aconteceu.

    O DJ disse que iria colocar a música predileta da aniversariante. E enquanto Renato Russo cantava "Eduardo e Mônica", senti meu coração disparar e cada vez que lia os lábios de Ana Teresa acompanhando a letra quilométrica da música, tinha mais e mais vontade de me perder por entre aquela boca, em um beijo cheio de poesia e, talvez fosse até efeito das doses excessivas de Chivas Regal, mas eu via o futuro dançando à minha frente e não havia mais nada que pudesse fazer. Por isso, bebi o resto do uísque e segui meu coração.

    Para a surpresa de todos e, confesso, minha também, eu e Ana Teresa conversamos durante todo o resto da madrugada. Fui o último a sair do Jockey Club, com um telefone no bolso do paletó, o mesmo telefone que disquei no domingo para combinar uma tarde em um cinema no centro da cidade porque, como você deve saber, eram os anos 80 e ainda não havia cinema em shopping centers. E, como bem disse Renato Russo, mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente, uma vontade de se ver e depois de pouco tempo eu e Ana Teresa formamos um casal perfeito em todas nossas imperfeições e quando Julia perguntou por que diabos eu estava saindo com a menina de sorriso classe média, respondi:
    "Porque ela não é o meu tipo."

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