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    16 de ago. de 2004

    Festa de criança - conto

    Na sociedade de consumo em que vivo, criança que ganha festa é apenas a criança burguesa, oriunda de uma classe abastada, com o futuro garantido e pago à vista, no cartão. Salão alugado, bem decorado, palhaços animadores contratados e um ótimo serviço de bufê: comida farta, e boa. A criança da festa é minha parente, mas continuo a sustentar minha opinião altamente politizada; afinal já estou no segundo ano de faculdade, faço parte do diretório acadêmico e estou plenamente conscientizado da opressão sofrida pelas classes populares imposta pelos detentores do capital e do poder ? neste caso, meus sorridentes tios, satisfeitos e divertindo-se ao máximo.

    Contemplo a festa com desdém, contrariado por ser obrigado a comparecer no programa-família, e fulmino aqueles pequenos burgueses com meu ar de pseudo-intelectual-revoltado-contra-o-sistema-em-sua-impotência. Mas esse olhar já estaria condenado a dissipar-se duas mesas adiante.

    Lá estava ela. Meu primeiro e único amor. Carolina, Carol bela, Seu Jorge nunca me deixou esquecer. Sinto novamente as marteladas no âmago - que agora se encolhe e congela (-Garçom, mais uísque!) ? que costumava sentir na escola, aos quatorze anos, guri ainda, mas fadado a sofrer com as agruras de um sentimento adultescido. Semana após semana aquela garotinha magra mas encorpada, morena de lindos cabelos rentes ao pescoço lindamente delineado e convidativo, aparelho nos dentes para corrigir não sei o quê e pernas longas que não tinham fim, foram me conquistando e me transformando. Tempos depois vim a saber que todo garoto tem seu tempo de encantamento, paixão repentina e devastadora, alguns conseguem lidar melhor com ele, só isso. Mas esta que eu sentia estou certo que ninguém jamais sentiu. Será que eu conseguiria trabalhar com essa tese em minha pós-graduação? Carolina, Carol bela.

    Era isso, ela era perfeita, a escolhida, a eleita. Menina de sorte você, devo-lhe toda minha devoção, meu carinho, meus afetos pelo simples fato de mal lhe conhecer e já te adorar. A única dificuldade em que este guri se achava era expressar todos esse sentimento que ora lhe assaltava e preenchia. Quando estava em sua companhia gelava, tremia, suava frio e não sabia o que dizer senão o necessário para passar-me por simpático. Não, definitivamente, não conseguia expressar o que verdadeiramente sentia.

    E assim foi, por dois anos inteiros perdurou este amor secreto (quem nunca teve um que atire a primeira pedra!), até receber a notícia de que se mudaria para o Nordeste e nunca mais a veria. Para o Nordeste foram-se todas minhas esperanças, meus anseios, meus planos. Um pedaço de mim mudou-se para o Nordeste. Quão difícil foi retomar minha vidinha normal com essa falta, um vazio impreenchível; eu agora um colegial mais responsável e preocupado com sua vida acadêmica. Com exceção dos sonhos e devaneios, nunca mais a vi.

    Festa de criança. Uma ocasião verdadeiramente chata que assume agora perspectivas outras. Sentada com seus pais, lá está ela, Carolina, Carol bela, sorridente e amável como sempre, mas agora uma mulher formada, ainda que reparo nela os traços resquiciosos daquela garotinha meiga que me conquistou. Em meio ao meu momento de epifania, perdido entre lembranças etéreas e admiração surreal, ela se vira (linda, linda), reconhece-me e me destina o ?oi? mais bonito que já recebi em minha existência. Arrepio-me, tento me recompor, não sei o que faço, vou até lá? Chamo-a aqui? Pego o microfone do videokê e faço minha declaração de amor silenciada por todos esses anos?

    Neste momento, vêm-me em flashes rápidos toda minha história de paixão e desilusão. Preciso fazer algo, mas num movimento contrário, introvertido, acompanho a festa estático, contemplativo, sem coragem de sequer lhe dirigir novamente o olhar. O que me acontece? Por que este guri de quatorze anos novamente toma conta de mim a me deixar tão confuso, tão desorientado, que sequer consigo organizar minhas idéias?

    A festa já está no fim e ela já vai-se embora. Ah, como gostaria de ir lá me despedir, e, entre uma convenção e outra, sussurrar-lhe o quanto a amei, o quanto a queria, o quão bom é sentir sua presença e apreciar sua beleza. Traduzir em palavras a energia do meu desejo, e como minha vida de colegial esvaiu-se desprovida de sentido sem ela ao meu lado. Como eu gostaria...

    Estas são as últimas coisas em que penso no momento em que a vejo desaparecer pela porta do salão de festas alugado e decorado com balões coloridos e o tema de uma história infantil, algo sobre uma princesa que esperava seu príncipe encantado.

    Festa de criança. Definitivamente, começo a achar que estou no lugar certo.

    3 comentários:

    Maete Liv disse...

    Nossa...
    Eu esperava ansiosa por essas festas, sabendo que ali veria pessoas que pensei durante um ano...
    Mas aí englobo vários tipos de festas e não apenas as de criança. A própria quermesse do Baguaçu me trás lembranças e amigos inesquecíveis...

    Anônimo disse...

    Shirov,

    Belíssimo texto sobre o teu amor secreto!

    Só vim deixar abraços, flores, estrelas...

    www.mude.weblogger.com.br

    Edson.

    Anônimo disse...

    Fala Rodolfo blz?
    Show de bola oseu Blog , isso parece um site bem caprichado meu!
    Congratulations
    Um, abraço do companheiro
    Mateus
    www.angelcowboyfireic.weblogger.com.br

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